quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Quando chove, os verdes e azuis se combatem.
As folhas sofrem as gotas. A àgua sofre a superfície.
Os galhos se debatem contra o invisível.
As flores caem e somem... assim a água penetra.
Alimenta aquilo que se perdeu para resistir.

O que é sofrimento pra mim, ali é ciclo.
Me é terrível e belo.
Mas ali só é.
[azul, verde, dourado]

Quem resiste sou eu.
O galho flui no vento
E a folha, mais forte doque pensei
- textura áspera, espessa -
me sorri melancólica de brisa.

Amanhã acorda-se mais forte.
Forte como sempre pode ser.
(nem mais, nem menos. sem mais, sem menos)


d-.-b The Cinematic Orchestra - To Build a Home

domingo, 25 de fevereiro de 2007

"Fingi ser gari por 8 anos e vivi como um ser invisivel"
PLINIO DELPHINO

Psicologo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da "invisibilidade publica".

Ele comprovou que, em geral, as pessoas enxergam apenas a funçao social do outro. Quem nao esta bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social

O psicologo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de Sao Paulo. Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais sao "seres invisiveis, sem nome".
Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da "invisibilidade publica", ou seja, uma percepçao humana totalmente prejudicada e condicionada à divisao social do trabalho, onde enxerga-se somente a funçao e nao a pessoa.
Braga trabalhava apenas meio periodo como gari, nao recebia o salario de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior liçao de sua vida: "Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da propria existência", explica o pesquisador.
O psicologo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e nao como um ser humano. "Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, nao me reconheciam por causa do uniforme. As vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhao", diz.
Apesar do castigo do sol forte, do trabalho pesado e das humilhaçoes diarias, segundo o psicologo, sao acolhedores com quem os enxerga. E encontram no silêncio a defesa contra quem os ignora.


DIARIO - Como é que você teve essa idéia?
Fernando Braga da Costa - Meu orientador desde a graduaçao, o professor José Moura Gonçalves Filho, sugeriu aos alunos, como uma das provas de avaliaçao, que a gente se engajasse numa tarefa proletaria. Uma forma de atividade profissional que nao exigisse qualificaçao técnica nem acadêmica. Entao, basicamente, profissoes das classes pobres.

Com que objetivo?
A funçao do meu mestrado era compreender e analisar a condiçao de trabalho deles (os garis), e a maneira como eles estao inseridos na cena publica. Ou seja, estudar a condiçao moral e psicologica a qual eles estao sujeitos dentro da sociedade. Outro nivel de investigaçao, que vai ser priorizado agora no doutorado, é analisar e verificar as barreiras e as aberturas que se operam no encontro do psicologo social com os garis. Que barreiras sao essas, que aberturas sao essas, e como se da a aproximaçao?

Quando você começou a trabalhar, os garis notaram que se tratava de um estudante fazendo pesquisa?
Eu vesti um uniforme que era todo vermelho, boné, camisa e tal. Chegando la eu tinha a expectativa de me apresentar como novo funcionario, recém-contratado pela USP pra varrer rua com eles. Mas, os garis sacaram logo, entretanto nada me disseram. Existe uma coisa tipica dos garis: sao pessoas vindas do Nordeste, negros ou mulatos em geral. Eu sou branquelo, mas isso talvez nao seja o diferencial, porque muitos garis ali sao brancos também. Você tem uma série de fatores que sao ainda mais determinantes, como a maneira de falarmos, o modo de a gente olhar ou de posicionar o nosso corpo, a maneira como gesticulamos. Os garis conseguem definir essa diferenças com algumas frases que sao simplesmente formidaveis.

Dê um exemplo?
Nos estavamos varrendo e, em determinado momento, comecei a papear com um dos garis. De repente, ele viu um sujeito de 35 ou 40 anos de idade, subindo a rua a pé, muito bem arrumado com uma pastinha de couro na mao. O sujeito passou pela gente e nao nos cumprimentou, o que é comum nessas situaçoes. O gari, sem se referir claramente ao homem que acabara de passar, virou-se pra mim e começou a falar: "E Fernando, quando o sujeito vem andando você logo sabe se o cabra é do dinheiro ou nao. Porque pelo anda macio, quase nao faz barulho. Ja o pessoal da outra classe você so ouve o toc-toc dos passos. E quando a gente esta esperando o trem logo percebe também: o peao fica todo encolhidinho olhando pra baixo. Eles nao. Ficam com olhar so por cima de toda a peaozada, segurando a pastinha na mao."

Quanto tempo depois eles falaram sobre essa percepçao de que você era diferente?
Isso nao precisou nem ser comentado, porque os fatos no primeiro dia de trabalho ja deixaram muito claro que eles sabiam que eu nao era um gari. Fui tratado de uma forma completamente diferente. Os garis sao carregados na caçamba da caminhonete junto com as ferramentas. E como se eles fossem ferramentas também. Eles nao deixaram eu viajar na caçamba, quiseram que eu fosse na cabine. Tive de insistir muito para poder viajar com eles na caçamba. Chegando no lugar de trabalho, continuaram me tratando diferente. As vassouras eram todas muito velhas. A unica vassoura nova ja estava reservada para mim. Nao me deixaram usar a pa e a enxada, porque era um serviço mais pesado. Eles fizeram questao de que eu trabalhasse so com a vassoura e, mesmo assim, num lugar mais limpinho, e isso tudo foi dando a dimensao de que os garis sabiam que eu nao tinha a mesma origem socioeconômica deles.

Quer dizer que eles se diminuiram com a sua presença?
Nao foi uma questao de se menosprezar, mas sim de me proteger.

Eles testaram você?
No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. So que nao tinha caneca.. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latao de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria toma-lo, e claro, nao livre de sensaçoes ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada, parece que todo undo parou para assistir à cena, como se perguntasse: 'E a?, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?' E eu bebi. Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a contar piada, brincar.

"Essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa"

O que você sentiu na pele, trabalhando como gari?
Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejao central. Ai eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente a lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensaçao muito ruim. O meu corpo tremia como se eu nao o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar nao senti o gosto da comida voltei para o trabalho atordoado.

E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou?
Fui me habituando a isso, assim como eles vao se habituando também a situaçoes pouco saudaveis. Entao, quando eu via um professor se aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse passando por um poste, uma arvore, um orelhao.

E quando você volta para casa, para seu mundo real?
Eu choro. E muito triste, porque, a partir do instante em que você esta inserido nessa condiçao psicossocial, nao se esquece jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses homens hoje sao meus amigos. Conheço a familia deles, freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. Faço questao de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles sao tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome. Sao tratados como se fossem uma coisa.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006


O tempo é um conceito.
Costuma-se definir o presente como uma construção de experiências passadas, expectativas futuras e impressões do agora. Por mais simples que seja falar em "daqui a cinco minutos" ou "no ano em que eu nasci", é necessário um grande esforço reflexivo para medir a nossa complexa noção de tempo.
O tempo racionaliza a nossa realidade e, à medida que o tempo nos ultrapassa, entendemos melhor aquilo que nos passou. Podemos pensar o tempo como uma ferramenta, e a educação neste sentido, como forma de poder e libertação. Observar a história situa-nos no momento atual, apresenta-nos os processos dos quais fazemos parte, mas, tantas vezes!, não escolhemos ou, sequer, notamos.
No mundo contemporâneo, o tempo torna-se um luxo. Não há tempo para se perder. O dia se repete, como outros, e tudo é agora.
Gosto de pensar em um tempo incontrolável, mas também irrelevante. Esse tempo passa-nos, somos muito menores do que ele! O instante faz-nos parvos e nós parvoneamos com nossos relógios em pulso. Somos nós que dimensionamos o tempo, correndo ou atrasando-nos, em vã sensação de controle.
Possuimos concepções escalares de tempo. Conceitos nossos. Minutos, séculos, horas. Calendários e cronômetros que nos iludem. Tentamos dar sentido a um tempo que não há. Ocupamo-nos em ocupá-lo de um sentido intrinseco que não tem... uma medida que, de fato, não existe!
O tempo é real. É também uma convenção. O tempo nos é alheio, livre.

d-.-b The Pixies - Ana

quinta-feira, 26 de outubro de 2006


Não sei se você soube, mas parece que Marte esteve enorme lá no céu.
Eu não vi, eu moro em São Paulo. E era inverno! Olhava pra cima de noite e só dava smog e pontinha de prédio piscando... Mas noticiaram no jornal, para quem fosse ler, que esse planeta - tão freqüentemente alvo da nossa atenção terráquia - ia estar mais próximo e visível a olho nu.
Gigante ou não, a gente está sempre olhando pra Marte. Os ets são todos de lá, você sabe. É tudo marciano! E tem o hype das sondas também. Depois que a bandeirinha americana balançou na atmosfera lunar, o novo objetivo é explorar o melhor possível este planeta vermelho.
Não que se dê muita importância, porque isso não se dá.
O ponto avermelhado, brilhando no céu, deve ter sido um bocado bonito... feito todo o resto da vida.
É olhar e as coisas passam, pois no fundo elas não parecem importar tanto mesmo. Não muda o ritmo de trabalho, o fim do teu namoro, não cura o teu cachorro, não deixa a festa mais divertida ou a comida mais gostosa.
Ares era o deus da guerra, vaidoso e brutal, e tinha um monte de gente doida na rua. Será que sempre tem?

Marte não ficou do tamanho da Lua, Plutão não é mais um planeta.
Inside it all feels the same.


d-.-b Explosions in the Sky

quarta-feira, 4 de outubro de 2006



Don't you wish you had more energy... or less ambition?

d-.-b - Noel Rosa

quarta-feira, 9 de agosto de 2006

Todo mundo conhece uma menina que coleciona caixinhas.
Pelo menos, todos conhecem meninas que abrem seus presentes delicadamente para não estragar o papel, lembrar o momento, guardar com carinho... e guardam mesmo.
Em toda santa feira hippie - na orla da praia, na praça da república, aos sábados na Benedito Calixto - encontra-se a barraca coberta por nada além de caixas! Existem lojas especializadas e hoje em dia qualquer papelaria de bairro tem sua própria "seção".
E por que nós as compramos?
Porque elas estão vazias!

Nós, meninas, adoramos encaixotar o mundo.
As caixinhas, preenchidas por esse nada, representam vasta gama de possibilidades - até mesmo a ousada e deliciosa opção de manter tudo como está.Caixa fechada. Caixa vazia.
Adoramos proteger nosso perfume favorito dentro do embrulho original, separar nossos brincos em compactações individuais, manter nossos lápis aquareláveis confortavelmente na embalagem Faber-Castell.
Uma vez conheci uma gaja aí que guardava suas roupas nas caixas das lojas onde foram compradas.

Trabalho demais, né?
Pois é... ela diz que prefere.

Mas a teoria das caixas não é privilégio das "menininhas" delicadas, pois as pragmáticas também têm das suas.
E sistematicamente organizamos nossos papeis, nossos caderninhos de telefone, nossas mp3s... Separamos nossos e.mails em pastas, catalogamos nossas (des)preferências em listas de 5 ou 10 items, qualificamos nossos amigos no orkut e padronizamos nossa comunicação.
Um pouco de bagunça vai bem, não existe progresso sem desordem!, mas mesmo a mais tomboy das criaturas tem sua maneirinha peculiar de acolher o cotidiano e "encaixotar" alguma coisa.
Meninos, é uterino.


d-.-b - Luscious Jackson